Por Mariana Timóteo da Costa (mariana.timoteo@oglobo.c | Agência O Globo
SÃO PAULO
- O ministro Ayres Britto, que presidiu a maior parte do julgamento do
mensalão, disse que "dessa confiança coletiva no controle estatal é que me
parece vir a paz pública". A instância máxima do Poder Judiciário, ao
condenar 25 pessoas envolvidas no escândalo de corrupção, segundo
especialistas, aumentou a credibilidade dessa instituição e de outras, como a
Polícia Federal, que investigou, e a Imprensa, que denunciou os escândalos.
Além disso, transformou a percepção da opinião pública de que os corruptos
ficam sempre impunes e de que a prática do caixa dois é comum e aceitável -
durante o mesmo julgamento, a ministra Cármen Lúcia declarou: "Caixa dois
é crime, é uma agressão à sociedade brasileira".
Isso, em
opiniões unânimes ouvidas pelo GLOBO, representa um avanço para a democracia
brasileira, "embora ainda existam fragilidades importantes a serem
combatidas, por meio de uma reforma política e uma ampla discussão da
sociedade", na avaliação de estudiosos como José Álvaro Moisés, diretor do
Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP.
Partidos
divergem sobre reforma
Apesar de
os principais partidos defenderem a reforma política, há divergências sobre
como levá-la adiante. Os presidentes do PT, Rui Falcão, e do PMDB, Valdir
Raupp, frisam que a reforma é prioritária para os dois partidos - aliados e,
respectivamente a primeira e a segunda maior bancada da Câmara -,
"principalmente no que diz respeito à adoção do financiamento
exclusivamente público das campanhas", como disse Falcão a jornalistas, em
entrevista realizada após as eleições paulistanas, em outubro.
-
Evidente que as pessoas acham que esse fato do financiamento das campanhas, que
está na origem do chamado mensalão, poderia ser extinto ou minimizado com
relação a todos os partidos se você tivesse o financiamento público. Mas o fato
é que há anos o PT vem defendendo a reforma - declarou Falcão, reconhecendo,
porém, que a mudança pode evitar novos escândalos.
Raupp
concorda e culpa "setores medrosos do Congresso" de, até hoje, terem
barrado a votação de pontos-chave, como o fim das coligações partidárias,
"que diminuiria a quantidade de partidos e enxugaria a política". Mas
Alberto Goldman, presidente em exercício do PSDB, não vê um interesse genuíno
dos parlamentares em mudar o status quo:
- A
mudança só virá com a boa vontade do Executivo. Um elemento importante seria um
presidente da República tomar a dianteira e levar isso adiante - diz Goldman,
que concorda, no entanto, que a prática do caixa dois ficaria debilitada se as
campanhas fossem financiadas pelo Estado porque restaria aos "doadores
ilícitos apenas as malas de dinheiro".
Para
Moisés, a declaração da ministra do STF Cármen Lúcia, que também preside o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estabelece uma "nova doutrina para se
avançar no combate ao caixa dois" - crime eleitoral admitido por réus do
mensalão, como Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Essa luta seria auxiliada
pela reforma política, com adoção de práticas como a diminuição dos custos das
campanhas eleitorais, um limite dos investimentos de empresas privadas em
candidatos e a revisão do sistema político-partidário, que permite uma
multiplicação de agremiações, partidos e legendas, no que os especialistas
definem como "presidencialismo de coalizão".
- Esse
sistema facilita o toma lá dá cá, produzindo escândalos desde a
redemocratização do Brasil que dificultaram o combate à corrupção - opina o
brasilianista Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, com sede em
Washington.
Além do
escândalo do mensalão, houve a onda de denúncias que envolveram a fixação do
mandato de cinco anos para o então presidente José Sarney (1988), o impeachment
de Fernando Collor (1992) e a aprovação da emenda de reeleição pelo governo
Fernando Henrique Cardoso, em 1997.
Transparência
internacional: otimismo cuidadoso
Alejandro
Salas, diretor para as Américas da Transparência Internacional (em que o Brasil
ocupa a posição 73 no ranking, de um total de 183 países avaliados no quesito
corrupção), acha que o julgamento do mensalão trouxe um "otimismo
cuidadoso" ao país.
- A
punição dos culpados veio após a realização de reformas importantes como as
leis da Ficha Limpa, de acesso à informação e de improbidade administrativa,
após as inéditas demissões ministeriais. O México, por exemplo, fez mais
reformas estruturais, tendo, por exemplo, uma legislação de financiamento de
campanha bastante avançada. Já o Peru, ao condenar um ex-presidente, Alberto
Fujimori, avançou na questão da impunidade. O Brasil está avançando nos dois ao
mesmo tempo. Isso é muito bom - frisa Salas.
O
otimismo deve ser cuidadoso, diz o diretor da Transparência Internacional, para
não deixar o bom momento passar. Devem ser levadas adiante reformas necessárias
que reduziriam o "terreno que se estabeleceu propenso à corrupção".
Para Peter Hakim, qualquer mudança nas leis precisa vir acompanhada de outra,
igualmente consensual, para continuar aprimorando o sistema de responsabilização
(o chamado accountability, em inglês).
Os
especialistas esperam que a conclusão do julgamento do mensalão dê novo ânimo
aos integrantes das instituições e da sociedade civil brasileira que, desde a
redemocratização, lutam por mudanças.
- Se por
um lado a qualidade da democracia melhorou e se consolida, há distorções que
impedem o seu avanço. A luta deve ser para que o desempenho do STF no caso do
mensalão não seja um fenômeno isolado - conclui José Álvaro Moisés.
Nenhum comentário:
Postar um comentário