Do frei Leonardo Boff
Nossa época se
caracteriza por uma suspeita geral contra todos os discursos que tentam
traduzir o definitivamente importante e o radicalmente decisivo da vida
humana. A crítica colocou em xeque todas as nossas idéias sobre Deus. Ela
ganhou corpo nas famosas críticas feitas pelos mestres da suspeita - Freud,
Marx e Nietzsche -, pela secularização, pela desmitologização, pela tentativa
de tradução secular dos conceitos religiosos, pela teologia da morte de Deus,
pelo esforço de desmascaramento da função ideológica assumida pelas religiões,
a fim de justificar o status quo social ou para preservar, nos países
mantidos no subdesenvolvimento, um tipo de sociedade injusta e discriminatória
da urgência da revolução; ganhou corpo também na crítica às Igrejas
carismáticas e populares que obedecem à lógica do mercado e veiculam uma
religião mais como entretenimento que apelo à conversão e à interiorização.
Face a esta crise generalizada, não
são poucas as vozes que admoestam: "Paremos um pouco. No âmbito do pensamento-raiz,
façamos economia da palavra Deus. Guardemos silêncio. Experimentemos aquele
Mistério que circunda e penetra nossa existência. Só a partir disso tentemos
balbuciar-lhe um nome que não será o seu nome, mas o nome de nosso amor e de
nossa reverência Aquele que é o Sem-Nome e o Inefável." Não era outra
coisa que pedia um fino poeta e místico cristão italiano, David Turodlo, em seu
poema "Para além da floresta": "Irmão ateu, nobremente empenhado
na busca de um Deus que eu não sei te dar, atravessemos juntos o deserto! De
deserto em deserto, andemos para além da floresta das diferentes fés, livres e
nus rumo ao Ser nu. Ali onde a palavra morre, encontrará nosso caminho seu
fim."
O esforço do nosso ensaio sobre a experiência de Deus se orienta na
busca do sentido originário da palavra Deus, encoberto sob muitos nomes
e fossilizado nas doutrinas sobre Deus. Para nos situarmos na via da
experiência de Deus, precisamos conscientizar o trabalho desconstruitivo já operado
em nossa civilização concernente a todas as idéias e representações sobre Deus.
Não superamos a crise das imagens de Deus criando novas e, pretensamente, mais
adequadas ao espírito do tempo. Isso apenas perpetua a crise porque,
ingenuamente, se assume aquela estrutura geradora de imagens de Deus que a
crise precisamente quer questionar. Essa estrutura é a vontade de sempre procurar
imagens melhores sem sair desta lógica de substituição de umas imagens por
outras. Não devemos identificar aquela força originária que está aquém e além
das imagens, força que nos coloca no encontro vivo com Deus e que está sempre
na origem de todas as imagens? Essa é a questão fundamental. Portanto, não é
fugindo da crise para o mundo anterior a ela que superaremos a crise, mas
entrando dentro dela e radicalizando-a ainda mais até identificarmos a
experiência originária de Deus. Entretanto, tenhamos desde o início uma
perspectiva correta: como não se combatem imagens de Deus com outras imagens,
assim também não se processa a experiência de Deus negando sistematicamente
todas as representações de Deus. Devemos atravessá-las e assim superá-las. Em outras
palavras, importa mais falar a Deus do que falar sobre Deus. Mais que pensar
Deus com a cabeça é preciso sentir Deus com o coração. É o que significa
experimentar Deus.
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