Trajano,
assumindo um tom arrogante e desdenhoso, dirigiu-se ao idoso bispo, que se
mantinha destemido perante ele, com estas palavras: - Quem és tu. espírito
ímpio e mau, que te atreve não somente a transgredir nossas ordens, mas também
a aplicar-te em carregar outros contigo para um fim miserável?
Meigamente,
Inácio replicou: — Os espíritos ímpios e perniciosos pertencem ao Inferno; eles
nada têm a ver com o cristianismo. Tu não podes chamar-me de ímpio e mau.
Quando levo no coração o Deus verdadeiro. Os demônios tremem à simples presença
dos servos do Deus a quem adoramos. Eu tenho Jesus Cristo, o Senhor universal e
celestial, e Rei dos reis. Pelo seu poder, posso pisar todo o poder dos
espíritos infernais.
— E
quem é que possui e carrega seu Deus no coração? — indagou Trajano.
—
Todos os que creem no Senhor Jesus Cristo, e o servem
fielmente — foi a resposta daquele homem santo,
—
Então não acreditas que também
carregamos dentro de nós os nossos deuses imortais? Não vês como eles nos
favorecem com o seu auxílio, e que grande e gloriosa vitória obtivemos sobre os
nossos inimigos?
—Vós
estais enganados ao chamar de deuses aquelas coisas que adorais — replicou
Inácio, majestosamente. — Eles são espíritos amaldiçoados; são os demônios. O
Deus verdadeiro é apenas um, e foi Ele quem criou os céus, a terra, e o mar, e
tudo o que existe. E apenas um é Jesus Cristo, o Filho primogênito do Deus
Altíssimo, e a Ele eu oro humildemente, para levar-me um dia à possessão do seu
reino eterno.
—
Quem é este Jesus Cristo? Não é Ele que foi posto à morte por Pôncio Pilatos?
— E
dele que eu falo — volveu Inácio. — Ele, que foi cravado na cruz, que aniquilou
o meu pecado e o inventor do pecado, e que, pela sua morte, pôs sob os pés
daqueles que devotamente o levam no coração todo o poder e malícia dos demônios.
Então
carregas dentro de ti este Jesus crucificado? — Perguntou o imperador com um
sorriso sarcástico.
—
Assim é — afirmou Inácio. — Porque Ele nos diz em sua santa Escritura:
"Neles habitarei e andarei entre eles" (2 Co
6.16).
Por
um momento, Trajano silenciou; pensamentos conflitantes passaram-lhe pela
mente. Estava ansioso para ouvir mais sobre a religião dos cristãos, e tocado
pela venerável aparência do
servo de Cristo, esteve para
mandá-lo de volta ao seu povo com uma leve reprimenda, mas demônio do orgulho e
da infidelidade levantou-se de um salto em seu coração, e recordou-lhe que
qualquer parcialidade para com a seita odiada seria um sinal de fraqueza, uma
perda de popularidade, e uma falta de lealdade aos deuses. Ademais, a hesitação
trairia o falso zelo de seu coração hipócrita, então, sentando-se no trono,
pronunciou a sentença contra o bispo de Antioquia:
Ordenamos
que Inácio, que afirma carregar consigo o Jesus crucificado, seja levado em
cadeias à grande cidade de Roma, e cm meio aos jogos do anfiteatro, como um
prazeroso espetáculo ao povo romano, seja dado em alimento ás bestas feras.
Quando
Inácio ouviu sua sentença, caiu de joelhos, e erguendo os braços ao céu, bradou
num êxtase de alegria: - Oh. Senhor, agradeço-te haver-me honrado com o mais
precioso sinal da tua caridade, e permitido que eu seja acorrentado por teu
amor, como foi o apóstolo Paulo.
Ele
permaneceu na mesma posição, os braços levantados, os olhos fixos no céu;
parecia haver tido um vislumbre daquela inefável alegria que tão ardentemente
desejava, c que logo desfrutaria. Foi arrancado de seu devaneio pelas garras de
um soldado que agarrou-lhe a frágil mão, e a prendeu numa algema de criminoso.
Seu crime foi "carregar dentro de si Jesus crucificado". Ele não
ofereceu resistência; cheio de alegria, e orando por seu pobre rebanho, foi com
os guardas para uma das celas da prisão pública, onde aguardaria a partida para
Roma.
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